A história da cidade através de imagens no livro comemorativo do bicentenário de Porto Alegre (Brasil/RS)

Charles Monteiro[1]

Abstract:

O objetivo deste texto é problematizar a utilização de imagens fotográficas na obra Porto Alegre: Biografia duma cidade para construir uma história visual da cidade no contexto das comemorações do bicentenário de colonização da cidade (1940) e das reformas urbanas em curso na administração de Loureiro da Silva.

Em Rumo a uma ‘História Visual´, Meneses propõe que o estudo sobre imagens se realize a partir de uma reflexão que relacione três domínios complementares: o visual, o visível e a visão (Meneses, 2005, p 33-56). O domínio do visual compreenderia os sistemas de comunicação visual e os ambientes visuais, bem como “os suportes institucionais dos sistemas visuais, as condições técnicas, sociais e culturais de produção, circulação, consumo e ação dos recursos e produtos visuais”, para poder circunscrever “a iconosfera, isso é, o conjunto de imagens-guia de um grupo social ou de uma sociedade num dado momento e com o qual ela interage” (Ibid., p. 35). Para Meneses, o domínio do visível e o do invisível situa-se na esfera do poder e do controle social, do ver e ser visto, do dar-se a ver ou não dar-se a ver, da visibilidade e da invisibilidade (Ibid., p. 36). Já a visão “compreende os instrumentos e técnicas de observação, o observador e seus papéis, os modelos e modalidades do olhar” de uma época (Ibid., p. 38).

No Brasil, a tradição de produção e comercialização de álbuns fotográficos remonta à segunda metade do século XIX. Entre outras iniciativas pode-se citar: o álbum comparativo da cidade de São Paulo produzido por Militão (1862-1887); os álbuns de vistas do Rio de Janeiro com fotografias de Marc Ferrez; aqueles publicados pela Casa Leuzinger; a obra Álbum de vues du Brésil[2]; o álbum oficial da inauguração de Belo Horizonte e, para Porto Alegre, os álbuns produzidos pelos Irmãos Ferrari (em 1888 e 1897), por Virgilio Calegari (c. 1912) e pela Editora do Globo (em 1935). Em 1922, as comemorações do Centenário da Independência incentivaram a publicação de uma série de álbuns fotográficos da capital e de várias cidades brasileiras.

Entre as investigações acadêmicas que trataram desse tipo de produção visual, merece destaque a obra Cidade e Fotografia, de Solange Ferraz de Lima e Vânia Carneiro de Carvalho, sobre a construção da visualidade urbana de São Paulo na virada do século XX e nos anos 1950. A pesquisa das autoras propõe um conjunto de questões teóricas e uma metodologia de interpretação das imagens a partir da definição de padrões icônicos e formais para compreender as narrativas e as tendências visuais que definem a visualidade da cidade de São Paulo na virada do século XIX para o XX, e na década de 1950.

Entre as pesquisas sobre Porto Alegre, merece destaque a pesquisa desenvolvida por Alexandre Ricardo dos Santos (1998) sobre as representações fotográficas do corpo entre 1890 e 1920. O autor pesquisou a produção fotográfica do ateliê de Virgílo Calegari, importante fotógrafo italiano em atuação na cidade, que produziu uma série de vistas da cidade. Essa pesquisa pioneira permite conhecer o campo fotográfico na cidade na virada do século XIX para o século XX e suas relações com a pintura artística, embora não aborde especificamente a produção de vistas urbanas.

A dissertação de Carolina Martins Etcheverry (2007) sobre os álbuns de vistas urbanas, produzidos pelos ateliês dos Irmãos Ferrari e de Virgílio Calegari, entre 1890 e 1937, estabelece um diálogo entre as concepções estéticas e os modos de ver da fotografia com aqueles da tradição da pintura paisagística urbana, evidenciando suas ligações. A dissertação de Sinara Bonamigo Sandri (2007) também analisa a produção fotográfica de Virgílio Calegari e procura discutir não só como o fotógrafo responde à demanda das elites de representação de uma cidade em processo de modernização, mas também como esse fotógrafo produziu a memória de certos espaços e formas tradicionais de experiência urbana que estavam desaparecendo na virada do século XIX para o XX.

Zita Rosane Possamai (2005), em sua tese de doutorado, realizou a primeira investigação de maior fôlego sobre álbuns fotográficos de Porto Alegre nas décadas de 1920 e 30.  A autora procurou verificar em que medida as imagens fotográficas da cidade nesses álbuns construíram uma nova visualidade urbana, tecendo narrativas sobre a cidade e jogando com operações de memória e esquecimento. Os álbuns são vistos como narrativas que apresentam uma ordenação lógica, onde os elementos são dispostos de forma hierárquica, produzindo uma imagem síntese da cidade imaginada e desejada pelas elites e pela administração municipal. No plano metodológico, a autora adequou para a sua pesquisa a proposta elaborada por Lima e Carvalho (1997) de construção de padrões icônicos e formais, visando a analisar os padrões de visualidade urbana elaborados nos álbuns. A pesquisa de Possamai tratou dos álbuns de 1922, 1931 e 1935, que davam destaque às imagens das áreas centrais da cidade, das principais avenidas e ruas, bem como dos edifícios públicos e privados da cidade. O álbum de 1935 foi editado em comemoração à Exposição Farroupilha de 1935 e aos 100 anos da Guerra dos Farrapos. No entanto, ainda não há trabalhos sobre a visualidade urbana dos anos 1940, nem um trabalho específico sobre padrões visuais urbanos em álbuns fotográficos da década de 1940.

O livro ilustrado Porto Alegre: Biografia duma cidade foi publicado em homenagem às comemorações dos 200 anos de colonização da cidade, em 1940, como se pode ler em sua folha de rosto. A obra se insere na tradição de edição pública e privada de álbuns fotográficos e de obras ilustradas comemorativas publicadas entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX. As imagens fotográficas que acompanham os textos colocam a obra numa linha de continuidade em relação aos álbuns anteriormente produzidos pelos ateliês fotográficos de Ferrari (1888; 1897) e Calegari (c.1912), bem como as de edição comemorativas de 1922 e 1935.

Ela foi oficializada pela Prefeitura e contou com o apoio do governo do Estado e de diversas secretarias, além de várias entidades culturais como: o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, o Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul, a Universidade de Porto Alegre, a Federação das Associações Comerciais do Rio Grande do Sul, a Associação Comercial de Porto Alegre e diversos sindicatos de classe.

O significado do título Porto Alegre: Biografia duma cidade é complementado pelo subtítulo: Monumento do passado, documento do presente e guia do futuro. A obra se insere no contexto de centralização administrativa do Estado Novo e de um processo autoritário de reformas urbanas promovidas pela administração de Loureiro da Silva.

Em 1940, Porto Alegre era uma cidade em pleno crescimento populacional e econômico. A área urbana contava com cerca de 350 mil habitantes e o todo o município (com a área rural) com 385 mil[3]. Os índices de crescimento econômico e social apresentados na obra pelo governo municipal, em 1940, eram positivos no tocante à indústria, à construção civil, à educação, à saúde pública, à eletrificação, ao saneamento, ao movimento portuário, aos transportes urbanos e às obras de urbanização. As ligações de Porto Alegre com o centro do país foram incrementadas por via rodoviária e aérea, com linhas regulares ligando Porto Alegre ao Rio de Janeiro e a São Paulo, mas também por meio de ligações ferroviárias – que se estendem para o interior do Estado – e marítimas que, por meio do porto de Rio Grande, ligavam o Estado com todo o Brasil e o exterior. A economia do Estado do Rio Grande do Sul foi favorecida pelo contexto da II Guerra Mundial e pelo crescimento da indústria nacional, que impulsionou o desenvolvimento agrícola e industrial subsidiário regional (Müller, 1993, p. 358-370).

A paisagem urbana de Porto Alegre passou por uma grande remodelação com a realização de obras viárias, a criação de parque e praças, a canalização do Arroio Dilúvio, a urbanização da orla do Guaíba (Zona Sul), o início da verticalização do centro, a reorganização administrativa, a construção de vários prédios públicos e o incremento da construção civil em novas áreas da cidade (Monteiro, 2006a, p. 35-89). A modernização da agropecuária provocou o êxodo rural e as migrações internas no Rio Grande do Sul. O movimento de migração de populações das pequenas cidades do interior rumo à capital incrementou o crescimento urbano de Porto Alegre.[4]

René E. Gertz, no livro O Estado Novo no Rio Grande do Sul (2005), discute a visão que se tem sobre o período e de que os dados nem sempre comprovam a imagem de um período de crescimento econômico e de importância política do estado no contexto nacional. No capítulo sobre a cultura no Estado Novo, o autor afirma que boa parte da intelectualidade local que pertencia ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, à Academia Rio-grandense de Letras, à Associação Rio-grandense de Imprensa e à Universidade de Porto Alegre conviveu sem maiores conflitos com o Estado Novo.

Nesse sentido, pode-se observar uma política cultural de duplo sentido. Por um lado, utilizava-se de instrumentos de censura e repressão policial para controlar a produção intelectual. Por outro, procurou cooptar intelectuais através de sua nomeação para o exercício de cargos públicos, bem como do apoio a realização de congressos, a publicação de livros e a criação de revistas e de jornais (GOMES, 1996). O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul foi o principal lugar de produção e legitimação dos discursos históricos sobre a formação da sociedade sul-rio-grandense e porto-alegrense (Gutfreind, 1992, p. 9-36).

As séries de imagens fotográficas da cidade se inserem ao lado dos textos produzidos pelos historiadores, que se caracterizam como uma releitura dos textos anteriormente escritos sobre a fundação de Porto Alegre, em função daquele presente marcado por reformas urbanas e a busca de legitimação da política urbana de um prefeito nomeado por um Interventor Federal (Monteiro, 2006a).

As comemorações do Bicentenário da Colonização de Porto Alegre, em 1940, enquadravam-se perfeitamente na cenografia comemorativa do Estado Novo (1937-1945), tanto na sua dimensão coletiva grandiosa quanto na utilização de símbolos nacionais. As comemorações começaram em 5 de novembro e estenderam-se até 31 de novembro de 1940, englobando também a comemoração da Proclamação da República e o “aniversário do Estado Novo” em 10 de novembro. Logo, as comemorações locais inseriram-se no quadro das comemorações oficiais do regime, com a farta utilização de símbolos nacionais (Bandeira e Hino) e a presença do presidente da República, Getúlio Vargas[5].

Nesse sentido, é que nos parece estratégico problematizar as imagens fotográficas da cidade, utilizadas e produzidas no livro Porto Alegre: Biografia duma cidade, visando a compreender a construção de um padrão de visualidade urbana, que destacava certos sujeitos, lugares, tempos, acontecimentos e significados da experiência social urbana, respondendo a demanda de memória da sociedade porto-alegrense frente às profundas reformas urbanas em curso.

A obra se insere no contexto da nova cultura visual do período, marcada pela expansão do cinema como espetáculo de massa, pelo crescimento do espaço para a publicidade, fotografias e fotorreportagens nas revistas ilustradas e, ainda, pelo uso moderado da fotografia informativa e publicitária nos jornais diários. A Revista do Globo publicava fotorreportagens sobre a cidade, dando lugar de destaque à fotografia em suas páginas, bem como os créditos aos fotógrafos que produziam as imagens. Já o jornal Correio do Povo utilizava fotografias, mas ainda de forma complementar ao texto escrito, sem construir um discurso próprio em imagens, e sem dar os créditos aos fotógrafos. Os órgãos públicos contratavam fotógrafos para fazer o registro das principais obras e realizações administrativas do governo do Estado. Também existiam vários estúdios fotográficos na cidade, responsáveis pela produção de fotografias de batizados, casamentos, formaturas das elites e camadas médias (Possamai, 2005, p. 45-108).

Na obra Porto Alegre: Biografia duma cidade, as fotografias do século XIX dialogam com fotografias dos anos 1930 e 1940, com tabelas estatísticas, mapas e textos, construindo um discurso imagético que visava a comprovar e a legitimar o papel preponderante dos governos municipal e estadual no processo de modernização da cidade. As comemorações e as obras públicas adquirem nova significação quando relacionadas às imagens fotográficas do passado.

Os organizadores da publicação foram o Capitão Álvaro Franco, o Major Professor Morency de Couto e Silva e o editor Léo Jerônimo Schidrowitz. Este último era um fotógrafo estrangeiro que se estabeleceu em Porto Alegre, fugindo da guerra na Europa. A escolha dos organizadores aponta para o caráter oficial da publicação e para a busca de um padrão editorial de alta qualidade e de grande impacto visual.  A obra em foco mostra a união de diversos setores culturais e institucionais ao redor das comemorações dos 200 anos de colonização de Porto Alegre. A obra contou com a colaboração de diversos intelectuais com graus diferentes de relação com a administração municipal e estadual.[6]

Fonte: Franco, A et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

O livro é de grande formato com 37 cm x 27 cm em capa dura (título em letras douradas) perfazendo um total de 664 páginas, com várias ilustrações em aquarela, fotografia e gráficos. O design da capa é um indício de suas filiações políticas e históricas. O titulo da série (Brasília Aeterna) e a capa em verde e amarelo, com as cores da bandeira do Brasil, apontam para a inserção da comemoração local na esfera do nacional. No centro da capa em dourado, sobre um fundo verde e amarelo, observa-se uma reprodução do monumento à Julio de Castilhos (líder positivista e ex-presidente do estado do rio Grande do Sul) ladeado por duas palmeiras (árvores que representam a flora tropical brasileira) A presença da gravação em dourado representa os elos da publicação com a valorização de um determinado momento da história local, marcado também pela centralização, pela continuidade e pelo autoritarismo na administração estadual e municipal.

A Parte Geral abrange considerações gerais sobre geografia, clima, flora e fauna, bem como apresenta tabelas com dados estatísticos da demografia, da economia e da urbanização da capital e compreende 60 páginas (p. 17-78). A Segunda Parte, chamada Passado, reúne 15 pequenos ensaios sobre a história de Porto Alegre; as origens da sociedade; a evolução arquitetônica; a história política da cidade; homens que se destacaram pelo bem comum, cultura e desenvolvimento intelectual, e A vida na velha Porto Alegre. Reminiscências gráficas e tem 160 páginas (p. 79-240). A Terceira Parte, chamada Presente e Futuro, está dividida em 12 partes: Excursão caleidoscópica através da cidade; A capital política e administração; O aspecto espiritual e religioso; Porto Alegre Centro Universitário; A vida cultural e literária; A capital como centro de irradiação comercial e industrial; Técnica e progresso; Porto Alegre – Centro de irradiação turística; A vida social; As comemorações bicentenárias; A cidade do futuro; e Contemplação moderna da cidade (p. 241-664). A obra privilegia quantitativamente o presente e a obra administrativa e política do Estado Novo perfazendo um total de 425 páginas.

Na impossibilidade de analisar todas as imagens das 664 páginas, este estudo concentrou-se em duas séries específicas dentro dessa obra, que são propostas ao leitor como histórias visuais do passado e do presente: “A vida na velha Porto Alegre. Reminiscências gráficas” (Franco, 1941, p. 225-240) inserida na Segunda Parte do livro sobre o Passado da Cidade; e “Excursão caleidoscópica através da cidade” (Ibid., p. 243-292) situada na Terceira Parte da obra, O Presente e o Futuro da cidade.

A primeira série de fotografias intitulada de A vida na velha Porto Alegre: Reminiscências gráficas é composta por 37 imagens.[7] O título da série estabelece uma distância entre o presente e o passado, e uma valoração dessa distância ao referir-se à “velha” cidade. As imagens possuem diferentes formatos: uma de página inteira (24 x 19 cm), 24 de ½ página (12 x 19 cm), seis de ¼ de página (12 x 9 cm) e seis de 1/6 de página (8 x 9 cm). Os tamanhos das fotografias são levemente irregulares, variando em até cerca de meio centímetro. O que não chega a provocar um efeito de assimetria devido à centralização das imagens na página. Nessa série há um predomínio de imagens de grande formato no sentido horizontal (25 fotos), o que produz um efeito de monumentalidade e de estabilidade das representações sobre o passado da cidade. Ou seja, não se tratava apenas de oferecer um conjunto de imagens que documentassem a vida e a cultura urbana na velha Porto Alegre, utilizando-se da fotografia como um duplo do real e atestação da existência de lugares e eventos no passado, mas também de monumentalizar e valorizar esse passado como uma espécie de alicerce do presente.

O recorte temporal das imagens pode ser divido da seguinte forma: 13 fotografias referem-se ao período entre 1880-1890; 22 fotografias, ao período entre 1900-1910, e duas fotografias, precisamente ao ano de 1935. O recorte temporal da história da cidade produzido pela seleção das fotografias privilegia o final do século XIX e o início do século XX, destacando as formas de sociabilidade públicas, o crescimento do perímetro urbano e a modernização da área central da cidade na Primeira República. A série valoriza a ação administrativa e as obras realizadas pelas administrações republicanas, da mesma forma que os textos sobre a história da cidade publicados nessa obra colocam em destaque as realizações e os nomes dos intendentes da Primeira República, relacionando-os ao presente. Cria-se, assim, um elo entre o legado dos administradores do passado e as realizações do presente.

O recorte espacial produzido pelas imagens sobre a cidade pode ser sinteticamente organizado da seguinte forma: fotos em interiores de estúdio (4); fotos de espaços urbanos (24); fotos de espaços semi-urbanos ou semi-rurais (3); espaços rurais (4); outros espaços ou espaços indefinidos (2). Há um claro predomínio dos espaços urbanos frente aos espaços rurais (chácaras) e semi-rurais, que caracterizariam boa parte do território pertencente ao município de Porto Alegre naquele período.  Entre as 24 fotografias de espaços urbanos, destacam-se as áreas centrais da cidade – as principais ruas e prédios – dando ênfase ao processo de urbanização e modernização em curso na virada do século XIX para o XX.

A análise da série aponta para o predomínio de certos grupos temáticos e conteúdos representados, aqui organizados em dois eixos: “principais temas” e “grupos sociais”. Os “principais temas” presentes na série são: Arquitetura (12), Lazer (11), Meios de Transporte (9), Exposições Comercias (6), Esporte (6) Retrato (4) e Trabalho (3). Os principais grupos temáticos organizados a partir da análise de conteúdo apontam para a representação do espaço urbano a partir da arquitetura (prédios do centro da cidade e pavilhões de exposição); de práticas sociais ligadas ao lazer (bailes, footing, bar) e ao esporte (ciclismo, remo, caçadas, corridas); aos meios de transporte (bondes e automóveis, o que constrói o significado de circulação urbana ou da cidade em movimento).

Os temas representados se articulam com os principais grupos sociais representados para formar a imagem de cidade que se queria construir naquele contexto. Sinteticamente, poder-se-ia distribuir as imagens dos grupos sociais da seguinte forma: grupos sociais pertencentes às elites administrativas e econômicas urbanas (13 fotos), grupos sociais pertencentes às camadas médias urbanas (12 fotos), e grupos sociais pertencentes às camadas populares urbanas (5 fotos). A seleção das fotografias privilegia a representação das elites, sua centralidade e predominância no processo de elaboração de uma nova cultura urbana, a partir da associação e da repetição de certas formas e espaços privilegiados de sociabilidade na cidade relacionados àquela elite. Os quatro retratos são de mulheres da elite e da burguesia local apresentadas como modelos de respeitabilidade, beleza, bem vestir, elegância e estar na moda (Franco, 1941, p. 226).

Em segundo lugar, com 12 fotos, as camadas médias urbanas são também representadas como grupos sociais associados ao processo de modernização das formas e dos espaços de sociabilidade da cultura urbana. As camadas populares aparecem representadas em associação com o trabalho em três das cinco imagens (aguadeiro, acendedores de lampiões, vendedores de bilhetes) em alto nível de tipificação. Ou seja, trata-se da representação de uma atividade profissional e não de um indivíduo em particular retratado. Embora, o mesmo pudesse ser dito das fotos de mulheres da elite, como “Senhora da alta aristocracia” e “Jovem pronta para um passeio”, nesses casos os significados sociais construídos são de distinção e prestígio social.

A fotografia “o aguadeiro” (Franco, 1941, p. 225), escolhida para abrir a série A vida na velha Porto Alegre, é uma imagem síntese de vários significados construídos, que se procurava transmitir através dessa história visual da cidade. Trata-se de uma fotografia posada de um aguadeiro (vendedor de água potável proveniente de fontes dos arredores da cidade) da virada do século O fotógrafo estudou e construiu cuidadosamente a cena para registrar uma prática social que estava prestes a desaparecer, visando a sua comercialização devido ao caráter pitoresco e folclórico da cena. Em primeiro lugar, o cavalo, as árvores e o campo ao fundo remetem ao mundo rural e ao passado de lutas pela conquista da região. Em segundo lugar, o homem negro liberto (pés descalços e casaco militar), tipificado e folclorizado como o “aguadeiro”, representava a memória do passado escravocrata e agropastoril da sociedade local. Nas estâncias, os peões eram responsáveis pelo abate do gado e pela preparação da carne para fazer o produto típico de exportação da região: o charque. Finalmente, a imagem apontava para a precariedade dos serviços públicos urbanos e para a falta de higiene na velha cidade, problemas que teriam sido combatidos e sanados pela ação enérgica e modernizadora das administrações republicanas do passado.

Fonte: Franco, Álvaro et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

A imagem que fecha a série (Franco, 1941, p. 240) constrói uma ponte entre o passado heróico rural e a cidade moderna do presente. Por um lado, a fotografia da Exposição do Centenário da Revolução Farroupilha de 1935 representa a celebração dos laços com um passado marcado pelo heroísmo das lutas da elite agropastoril contra o Império, em busca de maior autonomia política frente ao processo de centralização em curso, e em defesa de seus interesses econômicos ligados à exportação do charque. Na entrada da exposição, em frente ao pórtico monumental, impunha-se a estátua de Bento Gonçalves. Por outro lado, essa foto aérea panorâmica representa o processo de crescimento, modernização e higienização do espaço urbano através do destaque para as avenidas, que avançam sobre novas áreas e cortam a paisagem.

Fonte: Franco, Álvaro et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

A segunda série de fotografias, intitulada Excursão caleidoscópica através da cidade, está composta por 64 imagens (Franco, 1941, p. 243-292). O título da série constrói a idéia de mobilidade, dinamismo e fluidez das imagens da cidade. Essa segunda série é bem mais extensa, tendo quase o dobro de imagens (64 fotos) que a primeira série (37 fotos). Como na primeira série, as imagens possuem diferentes tamanhos: 37 fotografias de página inteira (27,5 x 18,5 cm), 15 fotografias de ½ página (12,5 x 18,5 cm) e 12 de ¼ de página (12 x 9 cm) ou menos. Em relação à primeira série, há um número maior de fotografias de tamanho grande (52 fotos), dentre as quais mais da metade das imagens (37 fotos) ocupam página inteira. O predomínio de fotografias de tamanho grande produz um efeito de monumentalização dos temas representados: prédios, avenidas, monumentos, etc.

Em relação ao formato das fotografias, 29 foram publicadas na página no formato retângulo horizontal, e 35 no formato retângulo vertical. Essa opção atendeu a escolhas técnicas no sentido de valorizar a representação do referente. As igrejas, os monumentos públicos e os prédios de alto gabarito da área central foram publicados na página no sentido vertical, o que valoriza tanto a forma desses prédios quanto cria um movimento do olhar em direção ascensional. Outros efeitos de luz sobre os prédios e intenção de enquadramento (pontual ou parcial, centralidade) ajudam a amplificar aquele efeito de monumentalidade da arquitetura (destacando linhas, volumes, formas e linguagens construtivas). O retângulo horizontal é utilizado para a representação de praças, avenidas e vistas parciais do centro e arrabaldes, permitindo incluir os prédios no entorno das praças e da diversidade de espécies de árvores; também produz um efeito de perspectiva e profundidade na representação de avenidas, quando associada à posição da câmara alta.

A alternância na forma de disposição das fotografias na página, entre o retângulo vertical (35) e o retângulo horizontal (29) ao longo da série, também exige do leitor a rotação da obra para a visualização de certas imagens, produzindo um efeito dinâmico à série. Esse efeito de dinamismo se amplia quando, da segunda metade da série para o final, o número de imagens por página aumenta de uma para duas e, depois, para quatro.

O recorte temporal das imagens pode ser divido da seguinte forma: três fotos referem-se ao período entre 1900 e 1930, e 61 fotografias representam o intervalo entre os anos 1930 e 1940. Essa série se articula com a série anterior sobre a “velha cidade”, representando o momento presente através de um inventário dos principais espaços urbanos de Porto Alegre em que se destaca o processo de modernização durante o Estado Novo. Nesse sentido, publicaram-se imagens de prédios de alto gabarito, largas avenidas e fotos noturnas, destacando a iluminação e o tráfego na área central. Porém, se essa série começa com uma fotografia em close de um fragmento da fachada do Edifício Nunes Dias, localizado na Avenida Borges de Medeiros esquina com Rua da Praia, de alto gabarito e representando a modernização e a verticalização do centro, na seqüência ela traz uma série de imagens de antigas igrejas (6 fotos), que negociam esse presente com o passado da cidade. Nas páginas 252 e 253, encontram-se lado a lado uma foto do início do século XX (c. 1920), com uma antiga rua que levava à Igreja Luterana, e, uma outra, que apresenta a reurbanização da área com a criação da Praça Otávio Rocha com a Igreja novamente ao fundo. As legendas das fotos enfatizam essa transformação de “A velha rua que levava ao Templo Evangélico” para “O Novo Parque, a linda Praça Otávio Rocha, fronteira à Igreja Evangélica”. Ou seja, a série valoriza o novo e as mudanças da paisagem urbana através do processo de modernização, mas também constrói uma ponte entre o passado e o presente. Este visto como superação daquele e projeção do futuro, como indica o subtítulo da obra.

O recorte espacial produzido pelas imagens sobre a cidade pode ser sinteticamente organizado da seguinte forma: 40 fotografias representam espaços urbanos do centro da cidade, 20 fotografias referem-se a sete bairros (Bom Fim, Menino Deus, Moinhos de Vento, Floresta, Azenha e Cidade Baixa), duas fotos representam espaços periféricos (as ilhas, e um espaço identificado como “nos arredores”), e, finalmente, duas imagens referem-se a espaços rurais de Porto Alegre. Logo, o centro urbanizado e modernizado e que dispõe de todos os serviços urbanos é super-representado, ou seja, é a metonímia da cidade (a parte pelo todo). A seleção das imagens dos bairros foi realizada a partir da presença de prédios arquitetônicos representativos; de indícios do processo de modernização e expansão do espaço urbano sobre novas áreas; de formas de sociabilidade da elite ou de aspectos pitoresco da cultura urbana local. Assim sendo, privilegiava-se o bairro residencial Moinhos de Vento (6 fotos), habitado pela nova elite social e econômica ligada ao comércio e à indústria. Nesse bairro, ganharam destaque as imagens que representavam a nova Hidráulica, com seus jardins e monumentos públicos. Local de passeio e sociabilidade da elite que testemunhava novos processos modernos, saudáveis e higiênicos, empregados no tratamento da água da cidade. Fora do centro da cidade, outro espaço privilegiado foi o Parque Farroupilha (localizado entre o centro e os bairros Bom Fim e Cidade Baixa), que representa um novo paisagismo urbano composto por novos espaços de lazer e de prática de esportes (4 fotos). Esses novos hábitos foram estimulados pelo Estado Novo visando à fabricação de corpos saudáveis para o trabalho; a defesa da pátria e a purificação da raça.

A análise da série aponta para o predomínio da representação de certos grupos de temáticas e de conteúdos: monumentos públicos (13), prédios públicos (11), igrejas (9), praças e parques (7), avenidas (5), teatros (2), escolas (1), vistas parciais do centro (5), vistas parciais dos bairros e arredores (3), outros (4).

O conjunto da série representa uma visão turística, moderna, higienista e, por vezes, pitoresca da cidade e da sociedade local. As fotos têm formalmente uma ligação com a pintura de paisagem, perceptível pelo seu formato (retângulo horizontal), pelo destaque dado a prédios públicos e igrejas fotografadas com “molduras verdes” ou com jardins e praças em primeiro plano. Mas também, pela relação entre essas fotografias e as reproduções de gravuras com molduras douradas ao longo de toda a obra, que representam os mesmo espaços urbanos.

Os espaços construídos em pedra e cal predominam nessa série sobre a representação de sujeitos urbanos, seguindo a concepção de patrimônio histórico e artístico formado pelos monumentos imperecíveis do passado e do presente deixados para as gerações futuras. Em apenas duas cenas são representados trabalhadores que aparecem tipificados como “os canoeiros”, referindo-se a um aspecto pitoresco da cidade.

Há um claro predomínio da representação de prédios públicos, como a sede dos poderes municipais e estaduais, bem como de repartições de órgãos federais, que constroem uma imagem oficialista da cidade e das ligações entre essas três instâncias de poder no contexto do Estado Novo. A administração municipal e a estadual surgem como os protagonistas desse processo de modernização da sociedade e do espaço urbano.

Os monumentos constroem uma ponte entre o presente e o passado glorioso de lutas do Estado do Rio Grande do Sul no contexto da Nação. A presença de várias imagens em close de igrejas aponta para a solidariedade entre os poderes civis laicos e o poder religioso da Igreja Católica. Essa relação entre as diferentes esferas de poder e a Igreja Católica é construída desde o início da obra, pela publicação das fotografias de página inteira do Interventor Federal, o Coronel Osvaldo Cordeiro de Farias; do Prefeito Municipal de Porto Alegre, Loureiro da Silva; do Comandante da Terceira Região Militar, General E. Leitão de Carvalho, e do Arcebispo Metropolitano, D. João Becker.

A tríade ‘passado, tradição e modernidade’ caracteriza uma equação discursiva e visual na obra que faz as glórias conquistadas no passado se prolongarem nas realizações do presente visando à constituição de uma nova sociedade moderna, ordenada, higiênica e produtiva, que se projeta para o futuro. A análise de algumas imagens dessa série permite compreender como essas idéias se constroem visualmente, muito embora apenas a série no seu todo permita perceber a construção da narrativa que costura e relaciona essas diferentes temporalidades.

A fotografia da página 261 representa uma das principais avenidas do centro da cidade (Borges de Medeiros), cujo nome estabelece um elo com o passado, pois relembra o eterno Presidente da Província durante a Primeira República e líder do Partido Republicano Riograndense.  De tamanho grande (página inteira: 24 x 19 cm) e em formato retangular, posicionada no sentido vertical, a foto reforça o efeito de verticalidade dos prédios e de perspectiva da avenida representados. A fotografia foi tomada do alto de um prédio no sentido descensional.  O destaque é dado para a avenida, em primeiro plano, e para os edifícios, em segundo plano, que ocupam quase todo o espaço enquadrado pela fotografia. A iluminação natural do sol do meio dia se projeta sobre a avenida e a fachada dos prédios, destacando-os. Os carros, bondes e transeuntes representados enfatizam a circulação de pessoas, mercadorias e capital no centro da cidade, construindo o significado de dinamismo e produtividade. Eles também permitem dar a idéia da escala do tamanho monumental dos prédios e da avenida. A legenda completa essa operação, reforçando e direcionando o olhar para o que se quer dar a ver na fotografia: “uma série ininterrupta de edifícios altaneiros” (Franco, 1941, p. 261). A foto está organizada a partir de uma linha diagonal que a travessa o centro da imagem construída pela avenida e pela sucessão de prédios com uma unidade formal, sugerindo um caminho ao olhar e um sentido de leitura da imagem ascensional (enfatizando mais uma vez a verticalidade dos edifícios). Ela se completa com o Viaduto Otávio Rocha (outra das grande obras públicas e viárias municipais do período). Algumas páginas adiante, outra imagem retoma e reforça vários significados sociais de cidade moderna construídos nessa fotografia.

Fonte: Franco, Álvaro et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

Numa vista parcial do centro da cidade, na página 268, de página inteira e formato retangular horizontal, novamente, destacam-se os prédios do centro. Esse tipo de vista permite enfatizar os significados do processo de adensamento e expansão da malha urbana. Trata-se de uma tomada tirada com câmara alta, obtida a partir do alto de um prédio, que permite ver em distância sobre os telhados de outros prédios. Destaca-se ao longe, em segundo plano, um conjunto de altos edifícios em construção. A imagem dos prédios compõe um arranjo caótico que dá a idéia de dinamismo e intensidade. Os telhados dos prédios, em primeiro plano, em tons mais escuros, contrastam com as fachadas iluminadas pelo sol do meio dia dos prédios de alto gabarito, em segundo plano, criando um efeito de oposição e tensão entre eles.  A legenda aponta para o que se deve prestar mais atenção na imagem: “os arranha-céus vão repelindo, sempre mais, as antigas casas de moradia” (Franco, 1941, p. 268).

Fonte: Franco, Álvaro et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

Ao final da série, essa foto retoma significados que vinham sendo construídos anteriormente e os condensa. A foto de tamanho grande (meia página), no formato retângulo horizontal, tematicamente privilegia a representação da Avenida Borges de Medeiros ladeada por prédios de alto gabarito. Trata-se de uma foto noturna tirada com câmara alta de cima do viaduto Otávio Rocha, no sentido descensional e com longa exposição do filme para permitir um bom contraste entre os prédios e o fundo escuro do céu. Observam-se as marcas luminosas deixadas pela passagem dos automóveis na avenida e as luzes estouradas dos postes de iluminação pública sobre o viaduto. O espaço privilegiado é, novamente, o centro da cidade com sua moderna infra-estrutura de serviços urbanos: largas avenidas, arborizadas, servidas por transportes públicos, iluminadas e ladeadas por prédios de alto gabarito. O dinamismo da foto é dado pelos trajetos de luz deixados pelos faróis dos automóveis, que constroem o significado de capital dinâmica, que não pára nem à noite, oferecendo moderna infra-estrutura urbana, segurança e múltiplas opções de lazer.

Fonte: Franco, Álvaro et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

Porém, as reformas urbanas e as conseqüentes mudanças na estrutura urbana não ocorreram sem causar tensões na sociedade porto-alegrense. O que está ausente dessa representação urbana é a desigualdade social que ia se aprofundando entre as classes sociais e a especialização do espaço urbano, com a segregação das camadas populares para a periferia da cidade, onde surgiam vilas de casas sem a mínima infra-estrutura. Houve uma perda de soberania da sociedade civil no processo de construção e gestão do espaço político urbano frente à ação de um governo municipal autoritário – nomeado pelo interventor federal – e o crescimento da especulação imobiliária de investidores privados que monopolizaram o mercado de terras e o setor de construção civil.  As demolições de muitas quadras, prédios e casas para a abertura das novas e modernas avenidas causaram a expulsão de muitas famílias e a transformação de espaços centrais da cidade. (Amado; Kefel, 1945, p. 40)

À medida que aquele presente se acelerava pelas mudanças provocadas nos espaços urbanos – com a demolição de antigos prédios e de quarteirões inteiros, provocando a transferência de populações – e os urbanistas e administradores projetavam o futuro da cidade, historiadores, fotógrafos e editores revisaram a história da sociedade porto-alegrense visando a assegurar a passagem de uma “certa” herança sociocultural e identidade urbana, que legitimasse o projeto político do presente.

A série fotográfica A vida na velha Porto Alegre. Reminiscências gráficas cumpria uma dupla função, tanto de “atestar” a modernização da cidade quanto de oferecer alguns pontos de orientação no espaço urbano para ligar esse passado ao presente, através de alguns prédios arquitetonicamente representativos do período como o Teatro São Pedro, o Mercado Público e a Igreja das Dores. Esses prédios não só representavam a aliança entre os poderes temporais e espirituais na condução do processo de mudanças, mas também alicerçavam o presente em transformação no passado, por meio de regime de visualidade pautado pelo documental, monumental e oficial.

Ao final da série Excursão caleidoscópica através da cidade, aparece uma seqüência de fotos aéreas com vistas panorâmicas da cidade, onde se destacam as avenidas, os prédios públicos e os modernos edifícios do centro de Porto Alegre. Em seu conjunto, essa série representa uma visão turística, moderna, higienista e, também, pitoresca da cidade.

Concluindo, as séries fotográficas publicadas na obra comemorativa Porto Alegre. Biografia duma cidade procuravam construir uma história visual da cidade que legitimasse as reformas urbanas da administração Loureiro da Silva no contexto político do Estado Novo. Apesar de sua administração demolir e eliminar antigos prédios, becos e ruas da cidade, ela procurava, através dos textos e das imagens na obra, construir um elo de continuidade com a experiência social urbana do século XIX e legitimar a modernização e a transformação desse mesmo espaço social urbano herdado.

Referências bibliográficas:

Amado, J.; Kefel, Ed, João Macaco, “O Demolidor”, en Revista do Globo, Porto Alegre, ano 17, n.º 392, 11.8.1945, p. 40.

Etcheverry, Carolina, Visões de Porto Alegre nas fotografias dos Irmãos Ferrari (c. 1888) e de Vírgilio Calegari (c.1912), Porto Alegre, 2007. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Instituto de Artes, PPGAV, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Franco, Álvaro et al, Porto Alegre: Biografia duma cidade. Monumento do passado, documento do presente, guia do Futuro, Porto Alegre, Tipografia do Centro, s.d. [1941].

Faria, L. A. Ubatuba de; PAIVA, Eduardo. P, Contribuição ao Estudo da Urbanização de Porto Alegre. Porto Alegre, [s. ed.], 1938.

Gertz, René Ernaine, O Estado Novo no Rio Grande do Sul, Passo Fundo, UPF, 2005.

Gomes, Ângela de Castro, História e historiadores. A política Cultural do Estado Novo, Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996.

Gutfreind, Ieda, A historiografia Rio-grandense, 2 ed. Porto Alegre, UFRGS, 1998.

Kossoy, Boris, Realidades e ficções na trama fotográfica, Cotia, SP, Ateliê, 2002.

Lima, Solange Ferraz de; Carvalho, Vânia Carneiro de, Fotografia e Cidade. Da razão urbana à lógica do consumo. Álbuns de São Paulo (1887-1954), Campinas, SP, Mercado das Letras, São Paulo, FAPESP, 1997.

Mauad, Ana Maria, Na Mira do olhar: um exercício de análise nas revistas ilustradas cariocas, na primeira metade do século XX, en Anais do Museu Paulista, jan./jun.; ano 2005/vol. 13, n. 1, Universidade de São Paulo, Brasil, p. 133-174.

Meneses, Ulpiano T. Bezerra de, “Rumo a uma História Visual”, en Martins, José de Souza; Eckert, Cornélia; Novaes, Sylvia Caiuby (eds.), O imaginário e o poético nas Ciências Sociais, Bauru, EDUSC, 2005, pp. 33-56.

Monteiro, Charles, Porto Alegre e suas escritas: Historia e memórias da cidade, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2006a.

___. “História, fotografia e cidade: reflexões teórico-metodológicas sobre o campo de pesquisa”,  en Métis: História e Cultura, Revista de História da Universidade de Caxias do Sul, v. 5, n. 9, jan./jun. 2006b, pp. 11-23.

___. “Imagens sedutoras da modernidade urbana: reflexões sobre a construção de um novo padrão de visualidade urbana nas revistas ilustradas na década de 1950”, en Revista Brasileira de História, vol. 27, n. 53, 2007, pp. 159-176.

Müller, G, A Economia Política Gaúcha dos anos 30 aos 60, en DACANAL, J. H.; Gonzaga, Sergius (ed.), RS: Economia & Política, 2ª ed., Porto Alegre, Mercado Aberto, 1993, p. 358-370.

Paiva, Edvaldo Pereira, Expediente Urbano de Porto Alegre, Porto Alegre, Imprensa Oficial, 1943.

Possamai, Zita Rosane, Cidade Fotografada: memória e esquecimento nos álbuns fotográficos – Porto Alegre décadas de 1920 e 1930. Porto Alegre, 2005. Tese (Doutorado em História Social) – PPGH, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Sandri, Sinara B., Um fotógrafo na mira do tempo. Porto Alegre, por Virgílio Calegari. Porto Alegre, 2007, Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PPGH, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Santos, A. R. O gabinete do Dr. Calegari: considerações sobre um bem-sucedido fabricante de imagens. In: Achutti, Luis Eduardo Robinson. (ed.), Ensaios sobre o fotográfico, Porto Alegre, Unidade Editorial; Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1998, p. 23-35.


[1] Doutor em História Social (PUCSP/Lyon 2), Professor Adjunto de História do PPGH da PUCRS e membro do GT de História Cultural da ANPUH.

[2] Kossoy (2002: 73-123) analisa a forma como o Império procurou construir através do Álbum de vues du Brésil, um anexo da obra Lé Brésil editada por ocasião da Exposição Universal de Paris de 1889, uma imagem do país que despertasse interesse e estimulasse a vinda de imigrantes e de capitais para o Brasil.

[3] Conforme as estatísticas oficiais que constam em Franco (1941:19).

[4] A taxa de crescimento médio da população do município nos anos 1940 foi de 2,2%, que, apesar de menor do que a verificada nos anos 1900, de 3,4 %, e 1920, de 3,2%, devido à imigração estrangeira, continuou importante (Monteiro, 2006a, p. 35-89). Em paralelo à abertura dessas avenidas, foram realizados estudos para a elaboração do Plano Diretor da cidade por Ubatuba de Faria e Edvaldo Pereira Paiva (Faria; Paiva, 1938). A elaboração do Plano Diretor contou, ainda, com a colaboração do urbanista Arnaldo Gladosh, em 1941. O Expediente Urbano (Paiva, 1943), como foi chamado esse documento, projetou grandes obras viárias, como a canalização do Arroio Dilúvio contra enchentes, aterros na orla do Guaíba, ajardinamentos, ampliação de serviços públicos e o zoneamento urbano – com a especialização das áreas urbanas por atividade – e foi parcialmente inspirado no Plano de Avenidas de São Paulo, de Prestes Maia, e no Plano Viário e de Ajardinamentos do Rio de Janeiro de Alfred Agache.

[5] Cf. Monteiro (2006a). Segundo Gomes (1996, p. 146), o governo federal elaborou “verdadeiro calendário de comemorações de centenários de nascimentos ou mortes dos mais notáveis vultos, acontecimentos e instituições da história do Brasil”. Além disso, promoveu a realização de congressos e subsidiou inúmeras publicações através da Imprensa Nacional e das imprensas oficiais dos estados.

[6] Walter Spalding (Diretor da Biblioteca Municipal), Ângelo Guido (Instituto de Artes), Ari Martins (Academia Riograndense de Letras), Padre Balduíno Rambo (Professor do Ginásio Anchieta), Ernani Correa (Engenheiro da Prefeitura e sócio correspondente do Instituto dos Arquitetos do Brasil), Gustavo Moritz (Redator do Correio do Povo), Nestor Erickson (Presidente da Associação Rio-grandense de Imprensa e Secretário do Correio do Povo), Jaci A. L. Tupi Caldas (Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul), Luis Felipe Castilhos Goycochea (IHGRS), Olimtho Sanmartin (Presidente da Academia de Letras e membro do IHGRGS), Monsenhor João Maria Balem (Cura da Catedral Metropolitana).

[7] Cabe apontar para o fato de que a autoria, a data e a técnica empregada na produção das imagens não são referidas na obra e que, devido ao processo de reprodução, é muito difícil determiná-los com certeza. Algumas imagens são reproduções de vistas da cidade feitas por Virgílio Calegari, porém a autoria da maioria dessas imagens é desconhecida. Logo, cabe pensar o processo de construção de sentidos gerais e problematizar a forma como se dá a ver a cidade através dessas séries visando a discutir as representações e significados sociais produzidos e colocados em circulação pela obra no contexto dos anos 1940.